Crónicas do Desgosto Musical
O meu primeiro desgosto musical deu-se em 1992. Foi há dezasseis anos, o meu pai ainda usava bigode e eu queria fazer uma permanente. Lá em casa víamos todas as segundas-feiras as “Crónicas do Crime”, uma série policial passada em Chicago no início dos anos 60, com Dennis Farina e Anthony Denison, com produção de Michael Mann. O genérico rasgava com música de Del Shannon, Runnaway, um tema que me fazia vibrar. Naquela altura usava-se muito o método de gravar coisas da rádio e da televisão, chegava-se o gravador perto dos aparelhos, não muito para o som não ficar distorcido, carregava-se no REC e depois era ouvir a gravação vezes sem conta. Muito se dava ao REC naquela altura. Naquela segunda-feira, a RTP anunciava o último episódio da série. Estive desde o início do telejornal até às dez da noite a puxar o lustro ao Sony. A cassete mais que bafejada pela sorte, era nova a estrear; naquela altura chegava-se a fazer 20 gravações sobrepostas, era ouvir Still Loving You com reminiscências da Lambada. A hora chegara. REC. “As I walk along,/ I wonder what went wrong,/ With our love, a love that was so strong. And as I still walk on,/ I think of the things we've done/Together, a-while our hearts were young.(…)” . Nem me interessava mais por ver o episódio, queria era certificar-me de que tudo tinha ficado gravado. Mas não tinha. A fita enrolara-se como bacalhau nos dentes. Com uma caneta tentava minimizar os estragos, desenrolando a fita, para trás e para a frente, até a escangalhar por completo. E era nova, raios! Desatei a chorar, fiz uma birra, amaldiçoei a Sony e fui para a cama. No dia seguinte, perante o desgosto, o meu pai ofereceu-me a cassete original. Ontem encontrei-a numa gaveta. Mas com medo que se escangalhasse toda, nem lhe toquei, fui ao Youtube e fui feliz.